domingo, 30 de novembro de 2008

“É que Narciso acha feio o que não é espelho

E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho”


“Morte, a melhor invenção do homem”. Como as obviedades surpreendem, idéias simples, geniais. De tão simplórias penso, “mesmo eu poderia ter pensado”. Subestimações a parte, quando leio frases de grandes autores, não me penso como criador delas, apesar de várias tentativas de formulações do tipo, “só sei que nada sei”, Sócrates.
A primeira frase desse texto foi dita por Steve Jobs em um discurso de formatura de uma importante Universidade dos EUA. O cara não tem curso superior, pelo menos não da maneira ortodoxa e taxativa com que a sociedade se limita a classificar quem tem ou não o saber devido a um diploma. Esse cara (não o chamarei de Jobs, nem de um dos criadores da Apple) é simplório e corajoso. Corajoso o suficiente para fazer o que acredita e acha certo. Simplório por obedecer não só a razão, deixar-se guiar um tanto pela emoção, pelo que sente que é o correto.
Faminto, apaixonado. A razão inibi a impulsividade, arrogante como somos, julgamos saber tudo e até o que é melhor para nós, condicionamo-nos a pensar que a melhor escolha a se fazer é a racional.
Somos a raça superior: prepotente-narcísica-egocêntrica.
Parte1

Parte2

sábado, 29 de novembro de 2008

"O que será que será"

Aquecimento global, El niño, efeito estufa, La niña...

“Se fizer bom tempo amanhã, se fizer bom tempo amanhã, eu vou. Mas se por exemplo chover, mas se por exemplo chover, não vou”. É, Maricotinha, diz que eu não tô, não tô, nem vô.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eu, robô?

Sempre que desço do meu apartamento para a área livre em volta do hall de entrada, com o pretexto de fumar um cigarro, e convido algum amigo para papear, os papos se repetem esporadicamente. Hoje a conversa retomada e ensebada foi: as crianças que não estão embaixo dos blocos (moro em um condomínio de cinco blocos) brincando. E os papos envoltos, do que podemos chamar de o principal tema, seriam: nostalgia, capitalismo, consumismo, pessoas-máquina etc.

Falo mal dessa geração computadorizada em ambos os sentidos: nascem pensando que nada fora do Google é real e são robotizadas desde o nascimento. O que antes era o papel da televisão, agora é do computador. Só que a TV não é tão autoritária quanto um computador e não exige tantas horas de dedicação.

Polícia e ladrão, esconde-esconde, pique-bandeira, detetive, stop, forca, nada disso mais presta. “Corrida de tampinhas, cavávamos na areia do parquinho para fazer as pistas, as regras: quem sair do percurso volta para o início, ganha quem chegar ao final da corrida com o menor número de petelecos”, recordo-me.

O que vejo hoje são crianças barrigudas, ensebadas de Mc Donalds em volta de suas bocas. Subir em árvores para pegar uma fruta sem agrotóxico, contarei um dia que fiz isso, do mesmo jeito que me contam sobre a época que não havia televisão e eletricidade. Ah, já ia esquecendo, brincar de aventura, subir, trepar, pular, descer, escorregar de muros, pedras, árvores, qualquer lugar pouco confiável, também deixou de ser divertido.

Deixando a nostalgia de lado, essa geração de autômatos fica em casa, sob vigilância de seus computadores, os pais, os pais estão tranqüilos, seus filhos não quebrarão os braços nem as pernas e ainda estão se preparando muito bem para o futuro, o futuro é a internet, são os computadores, são as inúmeras línguas que esses adultinhos aprendem. E os pais? Os pais contam com maior orgulho, “meu filho só tira dez no boletim, vou levá-lo ao Mc Donalds como recompensa”. “Meu filho tem dez anos e fala inglês, espanhol e aramaico, entende tudo de computador”. “Meu filho está preparado para o mercado de trabalho, vai ser engenheiro não sei das quantas, ganhará não sei quanto”. “Meu filho, meu filho, meu filho"...

Não sei o que acontece com meu filho, me mato de trabalhar, dou tudo pra ele e ele nunca está satisfeito”. “Quantos não gostariam de ter essa vida, e meu filho só reclama”. “O que foi que fiz de errado?”. Uma geração de pais que culpam os próprios pais e se culpam. Uma geração de filhos domesticada pelos computadores. As mulheres estão trabalhando, os homens trabalhando mais ainda, os filhos estão atolados de tarefas, sendo produzidos em série, só falta o código de barra (será que falta?), quem os consumirá? O mercado, o mercado precisa dessas máquinas. Os jogos e programas de PCs já os instruem desde pequenos a serem produtos para o mercado, os pais caíram na balela das propagandas (televisão, filmes, novelas, “jornalismo”) por se sentirem culpados pelo tempo que não passam com suas crianças, lhes dão matéria, e virou um ciclo vicioso: cada vez mais culpados, cada vez mais matéria, para mais matérias, mais trabalho.

Enquanto isso, os grandes consumidores dessa geração estão bem, estão garantindo os produtos que eles querem. Só que esses robôs encomendados por eles, demoram para ser feitos, uns vinte anos pelo menos. Fico pensando quando começarão a colocar agrotóxicos e adubos artificiais nos bebês e crianças para que elas aprendam e cresçam mais rapidamente. Ou será que já está sendo feito isso?

Vicente Figueiredo

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Rali dos Sertões

Se tivesse passado um mês fora, e chegasse em Florianópolis só hoje, pensaria: uma chuva de meteoros atacou nossa ilha e nossa cidade passara a se chamar Pequenópolis. Afinal, coisas bizonhas e incrédulas andam acontecendo por aqui.

Como se não bastasse as efêmeras coligações partidárias que acontecem em todas as eleições, agora quem decidiu juntar-se a toda a sujeira foi o povo lá de cima, do PDC (Partido do Céu). Dário Berger e São Pedro coligaram-se para promover o Rali dos Sertões. E tinha data marcada, o Rali. O nosso obreiro apressou-se e fez de tudo para cumprir o prazo estipulado por São Pedro. Mesmo durante as eleições, segundo e primeiro turno, Dário não mediu esforços e continuou trabalhando para que o Rali fosse realizado na data prevista. O meteorologista dos céus não iria esperar, ele cumpre ordem do chefe do PDC, e esse chefe não adia e nem perdoa nada (vide os furacões, terremotos, tsunamis e outras tantas obras que os pedecistas fazem).

Até que enfim uma promessa feita e cumprida no prazo determinado. Meio dia, horário de pico no trânsito de Pequenópolis, Dário manda obra; oito horas da manhã, todos indo para o serviço, Dário manda obra; eleições ocorrendo, Dário manda obra. E agora, nesse instante, qualquer pessoa pode participar desse inigualável Rali, O Rali dos Sertões, O Rali da Pequenópolis. Qualquer um que tenha um pouco de coragem, espírito aventureiro e um carro poderá enfrentar os inúmeros obstáculos: buracos, obras, chuvas, aglomeração de carros. E quem achar pouco, por volta das seis da tarde, ainda tem o desafio: atravesse a ponte no meio do caos em menos de quinze minutos. Quem tiver êxito revelará sua real identidade: nasceu no planeta Kripton.
Vicente Figueiredo

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O brasileiro Obama



"Barack Obama imitou nossa propaganda e fez um programa de TV de meia hora. Como um candidato à prefeitura de Fortaleza, ele prometeuoferecer remédio grátis e construir umas creches na Zona Oeste, se é que entendi direito"



Eu desconfio de qualquer americano que saiba localizar a Toscana no mapa. O melhor dos Estados Unidos é isso: o sincero descaso de seus habitantes pelo que acontece a mais de 1 milha de suas casas hipotecadas. Quem está do lado de fora, na Toscana ou no Tocantins, costuma interpretar esse descaso como uma forma de menosprezo. Mas é o contrário: é uma forma de modéstia. Os americanos apegam-se a um ou dois conceitos herdados de seus antepassados e, com humildade, simplesmente se recusam a discuti-los. Temo o dia em que eles decidam endurecer o molejo de seus Dodge Durango. Temo o dia em que um estudante secundarista de Dakota do Norte seja proibido de descarregar sua espingarda no pátio da escola. Temo o dia em que um imigrante ilegal, sem plano de saúde, seja prontamente atendido no hospital.


Barack Obama representa um americano mais cosmopolita, que come espaguete com bottarga, instala um bidê em seu banheiro e está disposto a tomar chá de menta com o terrorista palestino que dá aulas em Colúmbia. Com Barack Obama, a campanha eleitoral americana se internacionalizou. Pior do que isso: ela se abrasileirou. Alguns dias atrás, Barack Obama imitou nossa propaganda e fez um programa de TV de meia hora. Como um candidato à prefeitura de Fortaleza ou de Rio Branco, ele prometeu oferecer remédio grátis e construir umas creches na Zona Oeste, se é que entendi direito. O abrasileiramento da campanha de Barack Obama tem outros aspectos igualmente alarmantes, como o plano de redistribuir renda aumentando os impostos dos mais ricos, e doando dinheiro aos mais pobres. O futuro dos Estados Unidos é Patrus Ananias.


O ritmo de samba contaminou até mesmo a imprensa americana. Nas primeiras páginas dos jornais, Barack Obama recebeu 45% de cobertura positiva. John McCain, 6%. O New York Times comportou-se como o jornal de um senador maranhense, aderindo à campanha de seu candidato. Um jornal pode aderir à campanha do candidato que quiser. O que está errado é o empenho em abafar todos os fatos que possam criar-lhe algum tipo de constrangimento. Foi o que ocorreu neste ano nos Estados Unidos. Qualquer pergunta sobre Barack Obama foi caracterizada como uma forma de racismo, ou de asnice, ou de caipirice.
Se a campanha de Barack Obama contou com mais dinheiro, com a torcida do presidente iraniano e com a ajudinha marota da imprensa, a de John McCain respondeu à altura com Tito, o Construtor. Tito, o Construtor, é igual a Bob, o Construtor: tem o mesmo capacete de operário, o mesmo trator, a mesma betoneira. Só que, ao contrário de Bob, o Construtor, que é feito de plástico, Tito, o Construtor, é feito de tamales e de chicharrón. Ele é um imigrante colombiano. Na semana passada, subiu no palanque dos republicanos e, com seu sotaque de Speedy Gonzales, pediu mais liberdade e menos impostos, recusando as migalhas do governo e defendendo o trabalho duro. Se Barack Obama derrotar Tito, o Construtor, nunca mais ponho os pés na Toscana.




Diogo Mainardi, texto extraído da revista Veja, 5 de novembro de 2008.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O fingidor de madeixas



A arte de disfarçar a careca é ancestral e conta com alguns adeptos famosos, como Donald Trump. Mas Plínio Darcy, grande autoridade no assunto, recusa-se até a admitir que tenha a mais incipiente deficiência capilar




Sou Plínio Darcy, tenho 53 anos, trabalho como representante de uma multinacional de produtos para emagrecimento e, a despeito da opinião de alguns caluniadores, não sou careca. Sequer sou calvo. O objetivo deste modesto artigo é defender-me da gente desalmada que se acotovela na borda da piscina do clube quando salto do trampolim. Escrevo para os pobres de espírito que aguardam eu emergir das águas para se contorcer em gargalhadas, só porque meu belo topete se desmancha em uma língua grisalha que escorre até a altura do mamilo esquerdo.

Olha o disfarçador de careca!”, gritam os imbecis. Como posso ser careca se, como acabo de relatar, minhas madeixas molhadas vão até o peito? Um peito bastante cabeludo, por sinal. Não sou careca e, como já passei dos 50, acho muito difícil que um dia venha a sê-lo. Apenas me penteio de forma pouco ortodoxa. Iconoclasta, talvez. Mas isso é estilo. E estilo é estilo.

Penteado não é o termo exato para explicar o que se passa na minha cabeça. Não existe vocábulo no nosso pobre léxico para descrever um cabelo como o meu. Aqui no Brasil, onde nada é cinza, os homens são classificados como carecas ou cabeludos, sem qualquer gradação. Nos Estados Unidos, há uma expressão para explicar o visual de pessoas como eu. Lá, eu seria um combover, que o gerente lá da firma traduziu para “penteia por cima”. Fizeram até um documentário sobre a minha classe: Combover – The Movie, película respeitosa e de grande sensibilidade. Ela mostra gente que se esforça para preencher uma insignificante falha – nada a ver com calvície – que separa duas áreas povoadas de cabelo. É possível encontrar casos em que a falha cobre uma área, digamos, relevante da cabeça. Mas, enquanto uma ponte de cabelos puder recobrir a superfície deserta, ninguém poderá chamar um combover de careca.

Um dos meus clientes gorduchos, um careca de verdade, veio perguntar se eu não achava ridículo o meu penteado. Respondi que, para princípio de conversa, não faço penteado. Penteado é algo efêmero, que pode ser mudado com uma chapinha ou uma escova progressiva. O meu não surgiu na semana passada, num salão de cabeleireiro. Nem me recordo quando surgiu a maldita falha no meu couro (pouco) cabeludo. Só sei que certo dia comecei a ajeitar o cabelo de forma a cobrir a pequenina falha. Ela continuou crescendo e eu continuei penteando por cima dela. Hoje, sou assim.

A opção pelo combover é uma viagem sem volta. Da mesma forma, um careca não pode tomar a decisão de se tornar combover da noite para o dia. A ponte entre os dois tufos de cabelo leva anos para ser construída, ajeitada, laqueada, cuidada, mimada com fartas doses de Quina Petróleo e Kolecarpina. É um projeto de vida – e não uma decisão estética.

Raciocinem comigo. A diva Angelina Jolie marcou na carne do braço, com motor, agulhas e tintas, o desenho de um estranho dragão e o nome do ainda mais estranho marido dela, à época: Billy Bob. Não satisfeita, lascou um “forever”. Deborah Secco, moça magrinha, fez uma complexa intervenção cirúrgica para enxertar duas enormes bolas de material sintético entre os seios e as costelas. Amy Winehouse, a cantora do momento, atravessou o lábio com uma peça de ferro que termina dentro da boca, como aquelas argolas que são colocadas em touros para amansá-los. Por que tatuagens, peitos de silicone e piercings são coisas aceitas como normais e até embelezadoras, enquanto o meu cabelo é tratado como uma aberração de circo?

Sorte que nem todos tratam os de minha classe como atrações circenses. Raramente um homem se torna combover sem o apoio de outra pessoa. Alguém precisa ser cúmplice e incentivador. No meu caso, foi o Heraldo, barbeiro aqui da esquina, que corta o meu cabelo desde que eu era guri. Ele concebeu a melhor forma de disfarçar a falha na minha cabeça. E, desde então, só ele põe a mão na minha sagrada cabeleira. Preocupa-me muito constatar que ele está velhinho e, pela ordem natural das coisas, sua cumplicidade me fará falta um dia. Minha esperança é a mulher de um amigo, que não só conceituou o combover dele como o poda periodicamente. Ele me ofereceu os préstimos dela, na falta do Heraldo. A senhora parece ter mãos de ouro, pois o adorno capilar do meu amigo é invejável.

Por falar em estilo, Heraldo me ensinou bastante sobre o assunto. Ao longo de quarenta anos de carreira, ele aprendeu a cobrir falhas dos mais diferentes tamanhos e formatos. Ele diz que o combover que cobre a famosa coroinha de frade é o menos respeitável, pois é simples de fazer. O que cobre as entradas na testa também não exige muita ciência, pois a ponte tem mais pontos de apoio para ser erguida. Já para ser um combover de topete, como eu, é preciso tope-te. Combover de mulher chama-se aplique – e é socialmente aceitável, embora desonesto, pois utiliza fios de cabelo de outras pessoas. Já ouvi falar de alguém que faz a ponte a partir das costeletas (um mestre!) e, pela internet, juro que vi fotos de um camarada que faz combover com os fios do bigode (um gênio!). E, claro, acima de todos eles, há Donald Trump.

Trump é o cão-alfa da nossa matilha. Se não olharmos sua pelagem bem de perto, jamais entenderemos que ele penteia o cabelo de trás para frente. O mundo inteiro acha que é de frente para trás. Se o combover é, como diz minha namorada, uma espécie de embuste capilar, Trump é Houdini. Se um dia ele resolver dar um mergulho na piscina lá do clube, duvido que alguém tenha a audácia de caçoar.
Marcos Caetano, texto extraído da revista Piauí de outubro.