quinta-feira, 26 de março de 2009

A Dádiva da Dúvida

Eis que surge, do nada, uma ideia. Brilhante, opaca? Ideia. Em tempos de escassez, qualquer linha de pensamento é válida, ou, quem sabe, seria de mais valia o vácuo mental. Talvez a ausência de raciocínio seja sim, uma ideia, cuja interpretação acarretará uma dúvida paranóica: será esse silêncio a própria ideia? Ou será a falta dela? Também surgirá a incógnita: melhor um dito tolo, ou um silêncio calado? Mesmo que, o calar-se, por pura ausência de pensamento, um nada não dito, já não o é, o nada fora dito, mesmo que, sem dolo de haver significado, ele o tem.


Assim como o silêncio insignificante, palavras proferidas, muitas vezes, sem significado, têm o mesmo efeito. Fica o dito e redito por não dito. Tão difícil quanto mensurar o calar expressivo, mesmo que por pouco tempo, é interpretar palavras soltas que nada dizem, ou dizem o nada. Por vezes, é confusa até uma frase concisa, até porque, o caminho traçado a partir da ideia de transmitir um pensamento, nem sempre, ou geralmente, tem o objetivo simplório de dizer somente o proferido. De quando em quando, se não na maioria, o contrário da ideia é o propósito a ser disseminado.


Sendo brilhante ou opaca, simplória ou elaborada, estará sempre a cargo do receptor dar-lhe o sentido. Mesmo nos casos em que o transmissor for o receptor. Tais mecanismos, tanto o de criar ideias, como o de interpretá-las, permite mentirmo-nos. Eis que surge o que dá esperança: a dúvida.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Enquanto isso no meio da rua...

Nas sinaleiras, já vi malabarista, palhaço, palhaço-malabarista. No centro da cidade, mais especificamente na Filipe Schimidt, os homens-estátuas dividem a cena com índios tocando violão, entre outros cantores ou instrumentistas. Até aí tudo bem, já estava acostumado com isso. Hoje, vejo um homem-estátua localizado perto de um sinaleiro, sobre a faixa amarela que divide as mãos da rua, fazendo uma pose em que, as pontas dos dedos das mãos tocam as pontas dos dedos dos pés, com a bunda virada para cima. Agora, além do calçadão do centro da cidade e das sinaleiras, há artistas de ruas também no meio da rua. Ah sim, fiquei pensando que, em vez de ser um homem posando daquele jeito, de bunda pro ar, poderia ser uma mulher-estátua, seria mais agradável.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ganhar na Mega Sena é para os fracos


Quando um fato de grande improbabilidade acontece, tende-se a procurar explicações esdrúxulas. Se uma pessoa cai do alto de um prédio e não morre, quase que automaticamente, pensa-se algo do tipo: não era a hora dela morrer. Em vez lembrar que, de tantas pessoas que caem, um número pequeno irá sobreviver, porém, a grande maioria irá falecer. Mesmo se a probabilidade for irrisória, como por exemplo ganhar na Mega Sena, existem tantos jogadores, que um tem que ganhar. Igualmente quando ocorre algo pouquíssimo provável, como alguém sobreviver ao cair do alto de um edifício, isso só acontece pelo fato de tantos outros terem morrido, mas é claro, que ninguém lembra do infeliz que espatifou-se no chão, afinal, era lógico que morreria.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Um outro lugar

Levanto, sento. Levanto, espreguiço-me, sento. Levanto-me, dou alguns passos, sento, caio no chão. A poltrona não estava lá. É claro. Esqueci dos passos dados. Paro por segundos, ergo-me, vou até a poltrona, sento-me. Sinto-me confortável agora, bem melhor que o chão.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Pequeno Detalhe

Enclausurado na própria clausura. Aprisionado em seu apartamento. As janelas e cortinas não são abertas há algum tempo. O cheiro de mofo com cigarro predomina no ambiente. Há dias a televisão velha está ligada no mesmo canal. Pouco se levanta da poltrona em frente à televisão. Veste uma cueca velha e nada mais. Já não toma mais banho, nem faz a barba ou escova os dentes. No chão um emaranhado de guimbas de cigarro, comidas em estado de putrefação, garrafas, sacos-plásticos. Nem ele mesmo aguenta mais essa situação. Precisa tomar uma atitude. Já sabe o que fazer. Está esperando a coragem bater à sua porta. Não enxerga mais um motivo sequer para levantar-se dali. Tudo que havia feito em vida não existe mais, e tudo que poderia vir a fazer deixará de existir. Só lhe resta uma alternativa, a mais lógica, a única plausível. “Se algum dia hei de morrer, não postergarei o destino”.


Não se sabe quando, um dia decidiu acreditar na morte. Desde então enclausurou-se em seu apartamento e em seus pensamentos. Tentou de alguma maneira, apesar de cético, negociar a vida eterna com Deus, Alá, Buda, nenhum deles lhe respondeu. A partir daí, já sabia o que teria que ser feito. Acordou um dia com coragem, decidiu por em prática o simples plano: subir até o terraço de seu edifício – que tem onze andares – e se jogar de lá de cima. Acordou, levantou-se da poltrona, desligou a televisão, tomou um banho, fez a barba, escovou os dentes, penteou o cabelo, colocou uma cueca nova, um belo terno e sapatos novos. Acendeu um cigarro, se olhou no espelho, acocorou-se para amarrar os sapatos, estava pronto, impecável, quase com vontade de voltar à vida que tinha antes de ter essa epifania com a morte. Apagou o cigarro em frente ao espelho, vislumbrou-se mais uma vez e foi em direção à porta de saída do apartamento. Entrou no elevador e subiu até o 11º andar. Chegou ao terraço. Foi até a beirada do prédio, subiu no parapeito, mais um passo e estaria feito. Lembrou-se de uns momentos de alegria: namoradas, amigos, família. Não poderia concluir o plano, afinal tinha muito o que viver, chegou a conclusão que a vida era linda. Todo esse sofrimento não tinha sido em vão, agora tinha vontade de viver, de ouvir os cantos dos pássaros, de sentir o soprar do vento. Seu plano agora era viver, sem preocupações, sem buscar lógica na vida. Ela era simplesmente bela. Queria chegar em seu apartamento, fazer uma boa limpeza, ligar para os amigos, dizer-lhes que tinha readquirido a vontade viver. No momento em que descia do parapeito, pisou no cadarço que se desamarrara, e caiu.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Não foi uma decisão simples?

Que atrocidade: fazer um aborto em uma menina de nove anos, que foi estuprada pelo padrasto. A criança estava grávida de gêmeos e corria risco de vida.


“Mas, para a equipe médica, não foi uma decisão simples. A realização do aborto passou a contar com oposição declarada do arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, um integrante da ala conservadora da Igreja. “A lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Então, quando uma lei humana, quer dizer, uma lei promulgada pelos legisladores humanos, é contrária à lei de Deus, essa lei humana não tem nenhum valor”, acredita.”

Não entendo como pôde ter sido uma decisão difícil. Só porque a Igreja Católica é contra, ou pelo fato do arcebispo, que veio direto do túnel do tempo, declarar ser contra o aborto. Nesse caso, a opinião da Igreja tem tanta valia quanto à opinião do palhaço Bozo. Até quando a ciência se preocupará com a religião? Fizeram o aborto, tudo bem. Só não aceito o fato de os médicos declararem ser uma decisão difícil, abortar ou não, porque a Igreja ou alguém de dentro dela é contra. Essa declaração me aborrece. Vamos colocar em uma balança: de um lado, uma criança de nove anos, grávida de gêmeos em decorrência de um estupro, correndo risco de vida; do outro, um maluco, que segue uma doutrina lunática, crê em um livro escrito por não sei quem, não sei quando... Ahn? Ahn? Decisão difícil?