sábado, 29 de agosto de 2009

Jesus é o Senhor

João Matheus, 26 anos, casado há seis anos, pai de dois filhos, fisioterapeuta. Não bebo, não fumo, não uso drogas, não jogo. Sou evangélico, frequento a igreja todas as quartas e domingos, religiosamente (com o perdão (e mais um trocadilho) do trocadilho), às 20h. Prazer.

Se existissem apenas Joãos Matheus... Que maravilha! Infelizmente o mundo não vive só de Joãos e Matheus, muito menos de Joãos Matheus; é duro, porém verdade. Um dia quem sabe, a sociedade será purificada e retificada, aos poucos os Josés tornar-se-ão Joãos Matheus, obedientes aos dez mandamentos, e enfim o Éden retornará, como num lindo e romântico filme que se chamaria “O retorno de Éden, a missão”.

Não haverá mais jogadores inveterados destruidores de lares, alcoólatras alucinados ao volante, fumantes poluindo o ar puro das cidades, drogados pedindo esmola e roubando para sustentar o vício, assassinos, ladrões, adúlteros... E a vida eterna estaria garantida a todos, que repousariam suas almas nos reinos dos céus, onde Jesus (alvo, olhos azuis e cabelos claros) é o Senhor.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Dois artigos de Luis Felipe Pondé


Publicados na Folha de São Paulo




Sonhos bobos... e tolos


Enquanto o mundo a nossa volta vai acontecendo, vamos nos adaptando. Tentando nos adaptar sem fugir das nossas raízes, mas é claro que esse mundo que acontece a nossa volta, por mais que lutemos, interferirá, mais cedo ou mais tarde, em nossas vidas. No início lutamos, enrijecemos, resistimos aos novos fatos. Boa parte desiste da luta nas primeiras oras, deixam-se levar pela preguiça e pelo medo de subverter a nova “onda”. Outros vão um pouco mais longe, mas também tombam. E há os que preferem morrer a perder a ternura.

Difícil achar quem prefira o atrito, a sombra da derrota, a possibilidade de ceder. Conformar-se e continuar vivendo impera no sentimento alheio. Arriscar a estabilidade não está mais na moda, e como a moda (costumes) dita o comportamento, o que há de essencial é a estabilidade econômica e a preocupação com o próprio umbigo. Equilíbrio econômico, tanto individual, quanto no âmbito de Estado: a moda agora é não ser oposição, é ser a oposição da oposição, o retorno do que já era, com intuito de continuar sendo o que sempre foi.

De repente seja apenas o fantasioso que impregnou no imaginário, mas o passado sempre parece mais romântico, mais tolo, mais... Repleto de sonhos bobos. Jovens petulantes e prepotentes superestimavam-se, tinham a ideia tola de que poderiam mudar o mundo que acontece a sua volta; acreditavam, talvez por intuição, que o mundo não estava de acordo com o que eles idealizavam, e de alguma forma, nem que fosse em discussões improdutivas, tentavam modificar qualquer coisa, mesmo que em vão.

Poder-se-ia dizer que os jovens de agora são mais inteligentes, mais realistas... Que têm os pés no chão. Poder-se-ia dizer que os velhos de hoje, os jovens de outrora, eram tolos e sonhadores e que ilusões não levam a lugar algum. Poder-se-ia dizer que Joe Gould foi um dos maiores tolos, que o livro “O segredo de Joe Gould”, de Joseph Mitchell, nem deveria ter sido escrito. Uma história de um mendigo (quem estiver lendo ou pretende ler o livro deveria parar de ler o post agora) que não acreditava na História contada nos livros de escolas, que estava escrevendo “A grande história oral da humanidade”, pois cria numa revolução da História, contada a partir dos relatos de pessoas “comuns”, e ao chegar nas últimas páginas o leitor depara-se com a mentira, descobre que Joe Gould estava escrevendo nada, que era um grande mentiroso. Poder-se-ia dizer que a história de um mendigo mentiroso não mereceria anos da dedicação de Joseph Mitchell e nem as árvores cortadas para a fabricação do livro. Poder-se-ia dizer que “O segredo de Joe Gould” fora escrito em vão. Poder-se-ia dizer... Mas não fora dito por alguma razão.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Sentimentos da razão


Tentar achar uma lógica para qualquer coisa é forçar a barra. É claro que sempre acabamos achando lógica para tudo ou quase tudo, e se não encontramos, damos um jeito, nem que seja o absurdo de atribuir um sentido só para satisfazermos a nossa própria inquietude de não conseguir viver em dúvidas e em um mundo onde nem o sentido e nem a lógica fazem, com o perdão da piada, sentido.

O sentimento simplesmente obstrui a razão, não estou nem dizendo que não se deva acreditar nesses sentidos acrobáticos que atribuímos ao longo da vida para melhor lidarmos com ela, somente que existe uma distinção que deve ser feita, do que se sente e do que se acredita, do que é e do que não é, da razão e do sentimento.
Uma coisa é não conseguir conceber certos fatos explícitos, e por sentimento ou intuição, deduzir que não é bem assim que as coisas funcionam. Outra coisa é não conceber, mas saber que não há lógica nem razão para chegar àquela conclusão, somente o afago de conseguir colocar sentido onde não tem.

É desconfortável saber que alguém que roube, mate e não é pego não receba nenhuma punição, então concluímos, sem estudos, que essa pessoa receberá sua punição invariavelmente, seja em vida, seja depois de morto. Também não é confortante reconhecer que alguém, por pura sorte (acaso) venha a desenvolver um câncer ou sofra um acidente grave e morra com pouca idade. Para aliviarmos a pressão de que nem sempre a vida é justa e é feita de acasos. Tudo bem pensar assim, só é preciso saber que é pura crença sentimental e não há fundo de racionalidade nisso.

Também não estou defendendo que para crer em algo necessita-se usar a lógica e nem que a vida deva ser regida por ela, muito menos que a razão é mais importante do que a emoção. Só há de se diferenciar as razões que levam às crenças e saber que de lógico não há nada e a vida é curta para se viver só de lógica e razão.

sábado, 8 de agosto de 2009

Esmero

Se um dia encontrares
E levares a todos os lugares,
Carregares contigo o peso,
Por considerares que deve ser levado a sério
Enganado estarás
É superestimo teu

Algo que te corroeu,
Te corrói e te destrói,
Sem ao menos perceberes que nada é tão sério
Que possa ser levado a sério

Como pode ser sério e passageiro
Porque tudo é passageiro,
Tudo passará
E quando menos esperares,
Resolvido estará

Desperdiçaste o que não volta
E o que não volta não é mais
Ainda bem que não o é
O que eras já não és

Resolvido estará
Como num passe de mágica
Nem que seja na morte que finda
No nascer do sol ou no cair duma lágrima.