terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Maliciosa, astuta, manhosa e fina

A discrição era imperceptível e sagaz. Corrigindo-me, a discrição era tanta, que imperceptível era a dona dessa qualidade tão sagaz. O ato de ser discreto não acompanha necessariamente a sagacidade, mas nesse caso acompanhava, e quem era sagaz era a qualidade discreta e não a dona.
Não posso dizer que ela, a dona, era imperceptível e sagaz, apesar da sagacidade que a dona tinha, mas essa não era a sagacidade maliciosa. A discrição dela, sim, era sagaz-maquiavélica. De tão predestinada a discrição, só descrevia. Descrição era o filme rodado em sua cabeça, observação era seu método.
De tão sagaz, a discrição perpetuava, de tanto perpetuar, a dona, que antes era só sagaz sem ser maquiavélica, se confundiu com a própria característica: a discrição. Essa, de tanta sagacidade-previsora, predestinou o vício da dona, pela descrição que a discrição propiciava.
A descrição se tornara um vício, já que a discrição não o era. A discrição e a dona já não se distinguiam mais. A dona transformara-se em imperceptível e sagaz; sagaz no mais amplo sentido da palavra. A dona era agora: malícia, astúcia, manha e finura.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Telefonema

-Alô?
-Quem fala?
-É o Presente. Poderia falar com o Armando?
-Não se encontra.
-Tá onde?
-Relembrando alguma coisa do passado.
-Que horas posso falar com ele?
-Não sei. Daqui a pouco ele tem uma reunião pra planejar as coisas para o futuro. Sabe como é, tem que garantir a sua velhice confortável.
-Sei... Mas todo caso deixarei meu telefone contigo, se o Armando ainda tiver interesse em marcar um encontro comigo.
-Acho difícil, mas está anotado. Mais alguma coisa?
-Não. A não ser que queiras marcar um encontro comigo, ando tão sozinho ultimamente.
-Posso marcar contigo só daqui um mês. Pode ser? Desculpe-me, tenho que desligar.
-Calma, fique mais um pouco comigo ao telefone.
-Não posso, tenho tanta coisa pra fazer semana que vem. Continuarei com os agendamentos. Tchau, até mês que vem.
-Mês que vem não estarei vivo. Tchau.
-O que? Calma, posso ficar mais um pouco falando com você ao telefone...
-Tu tu tu tu...

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Diálogo solo

Tão exato o passo dado, cada agido é infeccionado. Pensa, vacila: age. Tão infectado, prepotente, “penso, logo ajo”. Declara o “ajo” estufando o peito em voz alta e grave. Engrandecido por não reagir, e sim, agir.
Confrontado de sua certeza esbravece, “sou ação e não reação”. Confronto, “és reação e não ação”. O argumento: de tanto pensar morreu o burro; o contra-argumento: o burro morreu de tanto pensar.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O não-regresso da não-esquecida lembrança

Sentado, sem esperança
Cada pensamento é tortura
Quer parar, pára por segundos
Quando percebe, volta à lembrança

A tortura o domina
A todo custo se distrai
Por mais segundos
O pensamento se abstrai

A volta é súbita
Súbita como a morte
A morte súbita do futebol
É sabido, virá a qualquer sorte

Hora distraído, hora lembrado
A memória está, é.
Por hora, abstraída
Por hora, lembrada

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Café e Cigarro

Aí, o cara acorda. Toma um café preto. Fuma um cigarro. Não escovou os dentes, nem lavou o rosto. De cueca, sentado no sofá, não entende nada do que se passa a sua volta. Mas cada tragada, apesar de banal, é o que ele quer fazer naquele momento; a certeza do que quer, e o prazer propiciado por aquele momento, ninguém lhe tirará.
O depois chegará, o raciocínio engrenará, aí, nada mais é certeza, aí, já se misturam vozes externas e internas. Nem ele mesmo sabe o que está fazendo agora.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Nada poderia ser diferente

Futuro do Pretérito expressa a maior de todas as crendices, a crença de que qualquer atitude passada poderia mudar o agora. O fato é que o acontecido não poderia ser diferente e pronto. O poderia já não existe e não há argumentos plausíveis para desdizer o acontecido. O fato acontecido é prova irrefutável de que não teria como ser diferente.
“Se eu não tivesse escrito esse texto”, o modo subjuntivo de igual maneira é superstição. Eu não poderia não ter escrito esse texto, posso até acreditar que não, e conceber teorias, mas nenhuma prova concreta conseguirei, o máximo que posso fazer é enganar-me, para vangloriar-me, de que eu poderia não ter escrito esse texto.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Horrorshow

Postura; roupas; costumes: teatro. Assim que levanto da cama, sozinho em casa, inicio uma bela interpretação para mim. Se há outras pessoas, elas também merecem um show a parte. Visto-me de um modo “convencional” (caçoamos das perucas utilizadas em filmes de época, espero não ser motivo de piadas, por utilizar camiseta e bermuda, em um futuro longa), não posso esquecer do meu público, que já espera certas atitudes, figurinos e falas do meu personagem. Se o contraste é grande, os espectadores chiam, esperam o esperado.
O andar ereto e de olhar sério é o esperado. Qualquer personagem que ande de modo um pouco dissimulado e com sorrisos estampados no rosto é tido como personagem de comédia. Às vezes pode ser um dramaturgo, escondido atrás de uma máscara sorridente, mas as interpretações são consensos, e o medo de confrontá-las é inerente a platéia e aos próprios intérpretes. Mesmo porque, não há diferença entre palco e platéia, todos são artistas e espectadores, uma democrática horizontalidade teatral.
Remetendo novamente ao passado, tantos rituais, burocratizações e figurações para obter a mão de uma dama, decapitar o réu. Remeto ao presente e percebo a arbitrária semelhança, por sermos personagens-platéia existe a dificuldade de enxergarmo-nos em longas medievais.
Quando digo, interpretações para tudo, digo: interpretações para tudo. Para abrir a geladeira, para conversar internamente (diálogos-monólogos). Nada escapa do espetáculo - sentido literal da palavra nada, contrário de tudo (tudo no sentido de totalidade absoluta, o infinito viável). Poderia me alongar em exemplos infindáveis, mas a frase, “nada escapa do espetáculo”, interpretada no sentido literal, já homogeneíza todos os exemplos, a única coisa que poderia fazer, seria elencar alguns consensualizados mais pudicos para a humanidade: sexo, escatologia, religião.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Polo-Aquático das Arábias

Super-idéia: Time Mania para ajudar os desabrigados, desalojados e as microempresas que sofreram com a enchente-enxurrada-avalanche. Outra: Em vez de cobrar os impostos a qualquer custo, mesmo o vendedor recebendo os pagamentos parcelados, tem de pagar as taxas governistas à vista, deixem de cobrar e depois resolvam com a Time Mania. Mais uma: financiem, subsidiem, ajudem essas família-empresas, que geram empregos e impostos, dinheiro para os governantes, ajudem eles com dinheiro público, que depois vocês conseguirão mais.
Qualquer coisa é só fazer a Time Mania, a solução para todos os nossos problemas.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Tudo é Tudo e Nada é Nada

Indivíduos porra nenhuma. O ar não nos separa, une-nos. O pronome oblíquo da oração anterior significa: homo sapiens, chinelo, pedra, nuvem, canis lupus. Parte de um só corpo, tentarei denominar: Universo (se houver mais de um, ele englobará todos esses universos, enfim, Universo, para via desse texto, significa a abstração do tudo, do todo).
Propriedade não existe. O nada não existe, o vácuo não existe. “Tudo é tudo e nada é nada”, como já diria eu. Assim como a palavra abstrata nada, o tudo, contido dentro dele mesmo é coisa abstrata. Mas, na prepotência de tentar explicar e compreender o Universo, o tudo, contido nele mesmo, é o mais próximo do concreto que consigo imaginar.
E se, qualquer objeto sideral, macroscópico, ou no âmbito atômico, microscópico, consegue transitar (não acredito em tempo e movimento, pararei por aqui, se não o parênteses ficará maior que o texto) entre dois pontos divergentes, é porque algo ali é existente, analogicamente, atravessamos a rua através do ar.
Também, dentro da abstração do tudo e todo, só consigo imaginar uma perpetuidade contida nela mesma, do sempre foi e sempre será. Momento inicial de criação, Big-Bang, ou momento final, Big-Crunch, chamem como quiserem, dia do juízo final, enfim, não faz lógica na minha cabeça. Não que faça lógica a abstração da perpetuidade contida, mas é a abstração que mais se aproxima da minha tentativa prepotente de explicar o inexplicável (será mesmo inexplicável, segundo umas partes, que se dizem indivíduos, do Universo, de proporções atômicas em relação ao todo, é inexplicável).
Abrirei um parênteses, “dentro de toda a aleatoriedade e da grandeza do Universo, surgiram, surgirão ou surgem (não surgem, surgirão ou surgiram) inúmeros tipos de objetos (individualizarei para a tentativa de tradução desta idéia): bolas de fogo, bípedes, carbono, ribossomos, vírus, meteoros, cadeiras etc etc etc”, constato.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A racionalidade destrói o Planeta Terra

Manchete de capa dos principais impressos



Terra, fogo, vento, água, coração! Pela união dos seus poderes, eu sou o ser humano! Coração, traduzido no contexto: sentimento que só os seres-praga do planeta Terra conseguem desfrutar, os criados à imagem de Deus. Expliquem-me, por misericórdia, qual a diferença entre teocentrismo e antropocentrismo.

O dicionário difere, perdoe-me a arrogância, eu não. Até o dia quatro de dezembro de 2008, foi constatado: a racionalidade destrói o Planeta Terra. Células cancerígenas, nada mais, criadas de Deus, com a missão: destruam o Planeta de Lúcifer. Lúcifer, de modo demasiado, ama o Planeta Terra. Só quer viver como a serpente, que outrora, vagara pelo Jardim de Éden. Uma maçã foi bastante para expulsar Adão e Eva de lá. Agora o trabalho ficou ardiloso. “Adão e Eva” reproduzem que nem pragas (ou as pragas reproduzem que nem Adão e Eva): de duas células, para 6,5 bilhões.

Gostaria eu poder-me dizer mamífero. Ao contrário dos mamíferos, somos desarmônicos, desafinados. E, ressalva dada, dizem por aí, ser a nossa maior qualidade, a racionalidade: dissonância harmônica da orquestra Planeta Terra, Sistema Solar, Via Láctea, Universo, Multiverso...

Concluiremos o objetivo a que viemos? A guerra está aí, que não se espalhe para os confins, que a Terra seja um mero peão, e que reine absoluto Lúcifer.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A Religião e O Pato

Dedos entrelaçados, cotovelos apoiados, o cheiro é defumado.
Da cabeceira, o chefe profere as palavras lentamente,
os murmúrios das laterais o acompanham instintivamente.
Cotovelos desapoiados, o ritual está começado, agora desfrutam o almejado:
O pato defumado, com tanto carinho, foi preparado.
E a pergunta: por que no domingo e não na segunda?
Resposta mascada, com a boca no pato.
Tinir dos metais, tudo encerrado, a pergunta das laterais:
Quando vão parar de inventar rituais?