quarta-feira, 11 de março de 2009

Pequeno Detalhe

Enclausurado na própria clausura. Aprisionado em seu apartamento. As janelas e cortinas não são abertas há algum tempo. O cheiro de mofo com cigarro predomina no ambiente. Há dias a televisão velha está ligada no mesmo canal. Pouco se levanta da poltrona em frente à televisão. Veste uma cueca velha e nada mais. Já não toma mais banho, nem faz a barba ou escova os dentes. No chão um emaranhado de guimbas de cigarro, comidas em estado de putrefação, garrafas, sacos-plásticos. Nem ele mesmo aguenta mais essa situação. Precisa tomar uma atitude. Já sabe o que fazer. Está esperando a coragem bater à sua porta. Não enxerga mais um motivo sequer para levantar-se dali. Tudo que havia feito em vida não existe mais, e tudo que poderia vir a fazer deixará de existir. Só lhe resta uma alternativa, a mais lógica, a única plausível. “Se algum dia hei de morrer, não postergarei o destino”.


Não se sabe quando, um dia decidiu acreditar na morte. Desde então enclausurou-se em seu apartamento e em seus pensamentos. Tentou de alguma maneira, apesar de cético, negociar a vida eterna com Deus, Alá, Buda, nenhum deles lhe respondeu. A partir daí, já sabia o que teria que ser feito. Acordou um dia com coragem, decidiu por em prática o simples plano: subir até o terraço de seu edifício – que tem onze andares – e se jogar de lá de cima. Acordou, levantou-se da poltrona, desligou a televisão, tomou um banho, fez a barba, escovou os dentes, penteou o cabelo, colocou uma cueca nova, um belo terno e sapatos novos. Acendeu um cigarro, se olhou no espelho, acocorou-se para amarrar os sapatos, estava pronto, impecável, quase com vontade de voltar à vida que tinha antes de ter essa epifania com a morte. Apagou o cigarro em frente ao espelho, vislumbrou-se mais uma vez e foi em direção à porta de saída do apartamento. Entrou no elevador e subiu até o 11º andar. Chegou ao terraço. Foi até a beirada do prédio, subiu no parapeito, mais um passo e estaria feito. Lembrou-se de uns momentos de alegria: namoradas, amigos, família. Não poderia concluir o plano, afinal tinha muito o que viver, chegou a conclusão que a vida era linda. Todo esse sofrimento não tinha sido em vão, agora tinha vontade de viver, de ouvir os cantos dos pássaros, de sentir o soprar do vento. Seu plano agora era viver, sem preocupações, sem buscar lógica na vida. Ela era simplesmente bela. Queria chegar em seu apartamento, fazer uma boa limpeza, ligar para os amigos, dizer-lhes que tinha readquirido a vontade viver. No momento em que descia do parapeito, pisou no cadarço que se desamarrara, e caiu.

Um comentário:

Lisluz disse...

juro que eu esperava por esse final.
acho o inesperado "tragicida" uma das máximas de se respirar.

e bom, se tem um pouco da realidade ali no texto, abre as cortinas do ape, pega umas roupas, coloca numa mochila e vem ver daza comigo

:)