domingo, 7 de fevereiro de 2010

"liberdade: uma destas detestáveis palavras que tem mais valor do que significado" parte II, que deveria ser a parte I


    Quero dormir e ficar acordado; comer e jejuar; fixar-me e me mover; conversar e me calar. Sinto e não sinto, concomitantemente, vontade de mijar e cagar. Sou a melhor e a pior pessoa do mundo. Sou solidário; me importo com os outros. Sou egoísta; só penso no que será melhor pra mim; nada mais.    
    Necessito de um emaranhado de pensamentos, maior do que os habituais, para poder não pensar, ou poder pensar por mim com nenhuma ou menor influência externa. Só preenchendo o casulo, atordoando-o com excesso de informações, é possível ser livre de falácias externas. Antagônico? É o único jeito, pois, a partir da inserção social, a contaminação está feita, e as vozes externas e internas já não se distinguem mais.
    Preciso juntar todos os discursos, construções do âmago e do exterior, misturá-los e confundi-los ainda mais, deixando a confusão e caos tomarem conta. Porque, livrar-se de todas as retóricas, é impossível; exceto aos perversos: os únicos que se podem dizer livres.
    “Liberdade: uma destas detestáveis palavras que tem mais valor do que significado”. Cito a frase sem dizer o autor por ignorância. Li ela numa edição da Caras, na seção de pensamentos de personalidades. Voltando à citação, quero ilustrar duas possíveis hipóteses. Primeiro, a pior delas: em um mundo onde todos fossem livres (perversos) e fizessem tudo o que lhes der na telha, o caos reinaria; viveríamos na barbárie. Conclusão: concordaríamos com o pensamento citado: é impossível ser livre numa sociedade civilizada. A segunda, um pouco mais romântica, é que seria possível sermos livre, contanto que evoluíssemos a tal ponto onde não seríamos egocêntricos, abafaríamos o ego a tal ponto que sentiríamo-nos parte dum todo; conseqüentemente não sairíamos “nos” matando ou “nos” agredindo. Mas, a segunda hipótese, que a primeira vista pode parecer romântica e utópica, esconde a face da desumanização que acarreta uma perda de individualidade. Conclusão: para sermos livres precisaríamos perder a essência humana: a individualidade. O que seria uma contradição, já que para ser livre teríamos que abolir a palavra liberdade do vocabulário, pois seu sentido real deixaria de existir. Sem individualidade e capacidade de escolha “liberdade” e “livre” perderiam o sentido de serem acoplados ao dicionário. Portanto também cabe a esta hipótese a frase retirada da Caras.
    Ainda poderia abrir para mais possibilidade - que seria mais utópica que qualquer sistema socialista e capitalista já sonhados e mais abstrata que qualquer conceito de justiça ou de bom e mau – que tentarei descrever: seríamos todos livres (perversos), mas nossos sentimentos e vontades verdadeiras seriam compatíveis com o mundo civilizado e não haveria barbárie; não necessitaríamos de poderes; para tentar resumir e exemplificar o máximo que consigo: não necessitaríamos de polícia e nem nos policiarmos uns aos outros nem a nós mesmos, e também não existiriam grandes. A anarquia utópica.
    E, tentando ser livre, saí do transe. O som ainda penetrava fundo em minha mente; a caixa de som colada à orelha. E todos dançando como se espera que dancem; com medo de parecerem retardados.

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