sábado, 26 de setembro de 2009

Metamorfose Escatológica


Imaginem, vocês, o raciocínio lerdo, atormentado por uma fagulha que insiste em não parar de cutucar o fundo raso da cabeça deste humilde que vos fala. Imaginem a ânsia, a angústia de materializar e exteriorizar, nem que seja o pior dos excrementos, nem que sejam as vísceras. Falar das vísceras é um troço complicado, tem grande chance de ficar um tanto, digamos, lugar comum, talvez piegas, ou até uma exibição disfarçada de autocrítica. Tática mais velha que subir pra cima (essa frase também está desgastada). Enfim, a artimanha de escrever sobre vísceras, e ainda antecipar o leitor expondo as mazelas do próprio texto, é mesquinha. Claro que pode sair um bom texto, sobre qualquer assunto pode-se escrever textos bons; não aqui, não hoje, é claro. Esse negócio de tentar ser humilde tá ficando chato. Essa coisa de ser arrogante também. Pior ainda é essa mania de tentar achar um meio termo para tudo. Tudo agora é a porra do bom senso. “Nem de mais nem de menos”. “Tudo que é demais faz mal, até água”. “Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar”. Chavões ensebados no dia-a-dia. Poderia dizer que entram por um ouvido e saem pelo outro. Não, não poderia. Aquele sebo fica entranhado nos tímpanos, entrou e saiu, mas a gosma melequenta perpetua. Não se dá tempo para secar.

É tão visceral que, ao falar de entranhas, este, nem humilde, nem sabido, nem meia-boca (ou tudo isso junto), que vos fala, é obrigado a dividir estes ditos populares de merda que atormentam seus pobres ouvidos. Está tão entranhado que, ao falar de vísceras, este obriga-se a compartilhar a baba que lhe escorre pelos ouvidos todos os dias, aquela gosma grudenta que insiste, em vão, em limpar. Às vezes é bom olhar para dentro e deixar o bolo fecal sair. Vomitar, cagar, arrotar, escarrar, mijar, peidar. Depositar tudo num papel branco e depois jogar fora. Esgoto abaixo, mar abaixo, rua abaixo... Expor as entranhas, vísceras e bolo fecal a todos numa folha, que outrora, fora um belo pedaço de papel branco.

Um comentário:

Anônimo disse...

Realmente.. filosofar sobre bucho é uma arte que eu admiro muito!Ótimo texto.. abraços
Jonas